Quando comecei a atuar na área de perícia, meu principal questionamento era entender a dificuldade de seguir uma norma, afinal, se ela está ali, definida, por que não atendê-la? Depois de um tempo, comecei a refletir que na minha época de canteiro de obra — que foram mais de 8 anos — nunca me orientaram a ler norma, ou pesquisar alguma dúvida relacionada aos procedimentos construtivos. A norma era usada, quase sempre, para passar um ―trote‖ no estagiário recém-contratado fazendo com que ele procurasse uma premissa que ninguém conhecia ou sequer existia. Apesar disso, eles mal sabiam por essa ―brincadeira‖ (que diziam ser engraçada), na realidade, esse ato contribuía para uma grande defasagem na formação profissional daqueles, até então, estudantes. Nas universidades, a norma técnica era usada em poucas disciplinas como concreto, pontes e cálculo, por outro lado, nas demais matérias, os conteúdos por mais densos e extensos que fossem não abrangiam uma leitura aprofundada, além de não direcionar na interpretação e na aplicação dos textos técnicos normativos. Em razão disso, passamos grande parte da nossa vida estudantil e profissional ouvindo os conceitos e aplicações técnicas dos mestres e encarregados de obra, mas não fomos doutrinados a entender o
conceito técnico e normativo, e a confrontar as informações passadas, desta forma, em muitas disciplinas fomos apenas observando erros contínuos e não treinando nosso senso crítico. Calma! Não estou dizendo que os mestres e encarregados estão errados, não precisa colocar um comentário me xingando (risos). Embora esses profissionais tenham mais experiência de campo do que muitos operadores formados, o conteúdo teórico e tecnológico pode ficar um pouco ultrapassado com o passar dos anos, visto que estamos em constante atualização de produtos e métodos, cabendo aos graduados a leitura e o estudo recorrente das normas. Outra grande dificuldade que percebo no emprego das normas é demonstrar que são aplicáveis tecnicamente e financeiramente, pois, hoje, ao apresentar uma proposta de melhoria, a primeira pergunta é: ―quanto vai custar?‖ ao invés de questionar qual será o benefício para a vida útil e a manutenção dos imóveis. Esse tipo de comportamento é extremamente comum para diversas questões e finalidades, muitas vezes, pensamos no custo antes da técnica. Contudo, sinto informar que da mesma forma que dentro de um canteiro devemos seguir uma sequência lógica para evitar retrabalhos, a metodologia deve vir antes do custo para garantir durabilidade. Para além disso, o problema se mostra ainda mais profundo, pois até mesmo nas próprias normas e nos documentos regionais constam informações que se divergem, e, assim, muitas vezes, fica a critério do construtor a escolha de segui-las ou não, e infelizmente quase sempre recai no quesito custo, deixando de lado a padronização ou adoção de critérios que garantam uma maior segurança. A título de exemplificação, é possível observar que nas ITs do Corpo de Bombeiro de várias cidades há a imagem ilustrativa dos guarda-corpos, assim como a descrição do dispositivo, que prevê o uso de barras horizontais, contudo a norma técnica de guarda-corpo determina que barras horizontais devem ser evitadas, pois podem ser usadas por crianças como escadas, causando acidentes. Diante disso, pergunto a vocês, qual o tipo de guarda-corpo que mais se vê implantando em edificações? O com barras horizontais, não é mesmo? E sabe por quê? A economia é priorizada a todo modo e a todo custo (literalmente), já que, de modo geral, as barras horizontais custam menos que as verticais.Por fim, muitos outros óbices se somam, como a norma da acessibilidade que, lamentavelmente, ainda não ganhou o peso e o destaque necessário. Em consequência disso, a maioria das construtoras não a atende sob a justificativa de que: “o projeto aprovado na prefeitura não pedia tais dispositivos”. Foi isso mesmo o que você leu. Nessas exatas palavras.
Se existem normas, leis federais e municipais que respaldam os itens e os procedimentos, apenas pelo fato de a prefeitura local não considerar a acessibilidade, isso retira a obrigação do construtor de atendê-la? Claro que não!
A acessibilidade é um direito de todos, em todos os espaços e de todas as formas, e a engenharia deveria estar a par dessas premissas, prevendo soluções e medidas que enfatizam a segurança e a estabilidade de suas obras, ainda que estejam estabelecidas em uma norma recente que requeira um pouco mais de pesquisa para aplicação, ou que elas custem um pouco mais no quesito financeiro ou pese um pouco no bolso, mas, sobretudo, para que, futuramente, elas não pesem a responsabilidade de quem executou. Pense nisso.